Dos sermões de São João de Ávila
(sermões 15 e 17: BAC 303 e 304, Obras completas do santo mestre João de Ávila, Madri J970, pp. 249-250 e pp. 192-193)
Cristãos! Ovelhas sois de Jesus Cristo, e ele é vosso pastor. Oh bem-aventuradas ovelhas, que tem tal pastor! Minhas ovelhas – diz o Senhor – ouvem a minha voz; e eu as conheço, e elas me seguem, e eu lhes darei a vida eterna, e não perecerão jamais, e não haverá nada tão poderoso que as arrebate-me da mão (Jo 10,27-28). Oh bendito tão bom Pastor! Bendito tal Senhor, Rei e Pastor!
Até Deus, a todos os principais, pastores; a todos os ocupava em guardar ovelhas, e dali se tirava uns para profetas, outros para patriarcas, outros para reis. Queria significar que Jesus Cristo havia de ser profeta dos profetas, patriarca, rei e pastor.
Também as mulheres daquele tempo, como era rebeca e Lia e Raquel e outras muitas, denotavam à Virgem sem mancha, que, depois de Jesus Cristo, não tem havido outra pastora, nem há quem assim guarde as ovelhas de Jesus Cristo, e, pois a Virgem sem mancha é nossa pastora depois de Deus, lhe supliquemos que nos apascente, alcançando-nos graça.
São Paulo diz que dava leite e presenteava a seus filhos pequenos e que, para ganhar a todos, se fazia tudo para todos; quanto mais verdadeiramente faria o oficio de mãe esta Virgem sagrada, pois sem nenhuma comparação lhes tinha maior caridade que São Paulo? Suas entranhas santíssimas se enchiam de consolação vendo que o fruto da paixão de seu benditíssimo Filho não saia gratuitamente, pois pelo mérito dela tanta gente se convertia a ele. E parecia-lhe que acolher e presentear, ensinar e esforçar aos que a ela vinham, era recolher o sangue de seu Filho bendito, que diante dos olhos dela havia se derramado por eles. Louvava a divina bondade, e nenhum trabalho lhe parecia pesado, e nenhuma hora era fora de hora para recolher aquele rebanho que entendia que o Senhor lhe enviava para que os aceitasse na graça do Senhor.
Muito bem soube o Senhor o que fez em deixar tal Mãe na terra, e muito bem se cumpriu o que estava escrito da boa mulher, que confiou nela o coração de seu marido. Porque o que seu Esposo e Filho Jesus Cristo havia ganhado no monte Calvário derramando seu sangue, ela o guardava e cuidava e procurava de acrescentar como fazenda de suas entranhas, por quais tais e tantas jóias tinha metidas. Bem aventuradas ovelhas, que tal Pastora tinham e tal pasto recebiam por meio dela! Pastora, não jornaleira que buscasse seu próprio interesse, pois que amava tanto às ovelhas que, depois de haver dado pela vida delas a vida de seu amantíssimo Filho, dera de muito boa vontade sua própria vida, se necessidade dela tiveram.
Oh, que exemplo para os que tem o trato de almas! Do qual podem aprender a saudável ciência do regimento de almas, a paciência para sofrer os trabalhos que em apascentar-las se oferecem. E não só será sua mestra que os ensina, mas, se for com devoção deles chamada, lhes alcançará forças e luz para fazer bem o ofício.